Entrevista – João Ventura

Entrevista – João Ventura

Hoje temos o prazer de entrevistar aqui no Blog em língua portuguesa de MyHeritage o genealogista português João Ventura.

João, de 39 anos, é natural de Faro, Portugal, mas atualmente reside na Alemanha. Ele tem dois filhos e começou a fazer sua árvore genealógica na altura em que nasceram.
Isso colocou-o em contato com a realidade da pesquisa genealógica em Portugal e a necessidade de “viajar” para uns 20 sites diferentes de modo a obter os registros paroquiais.
João lançou recentemente o site tombo.pt, site este que todas as noites indexa os 18 sites dos Arquivos Distritais de Portugal Continental, e os sites dos Açores, da Madeira e de Guimarães. Nesta entrevista ele nos dá mais detalhes sobre o seu trabalho no site e sobre a genealogia portuguesa.

Boa leitura!

MH – João, você é o fundador do recém-lançado site tombo.pt. Poderia falar um pouco mais sobre o seu trabalho com o site, sobre os seus objetivos e futuros projetos?

JV- Fiz o site como uma ferramenta para me ajudar a mim, e outros como eu, que buscam aos seus antepassados através dos registos paroquiais na Internet. Quando comecei, existia um site muito semelhante (o etombo.com), que no entanto deixou de ser actualizado há quase 4 anos. Para evitar ter de visitar constantemente as páginas dos vários arquivos à procura de novidades, criei um sistema automático para me avisar de todas as novidades que surgissem, que ainda corre todos os dias para actualizar o site. Neste momento o site indexa todos os 22 arquivos com registos paroquiais em Portugal e avisa diariamente das novidades. Para o futuro tenho planos para duas novas funcionalidades: 1) a indexação de outros documentos como os livros de passaportes, as administrações de concelho e os processos ‘de genere’; e 2) informação em cada freguesia sobre a sua origem com ligação para a freguesia anterior. Além disso o site também irá melhorar em aspecto visual e terá uma versão em Inglês.

MH – Recentemente, um artigo do jornal O Público revelou o grande interesse que a genealogia tem tido em Portugal. Poderia nos falar mais sobre a genealogia em Portugal? Quais são os desafios neste país?
JV- Esse artigo no Público foi muito interessante e surgiu numa altura excelente para divulgar o site. Neste momento existem cerca de 164 mil livros paroquiais disponíveis online, sendo adicionados novos livros todos os dias. Portugal é um caso particular: a Igreja Católica foi até 1910 a única entidade responsável pelo registro de nascimentos, casamentos e óbitos. Com o fim da Monarquia, novas leis obrigaram os padres a entregar todos os livros paroquiais ao Registo Civil. Os livros mais antigos passaram para o Arquivo Nacional (Torre do Tombo), sendo os outros conservados no Registo Civil local. Entre 1912 e 1965 foram sendo criados os vários Arquivos Distritais, pelo que os livros mais recentes (após 1860) estão nesses arquivos. No entanto, alguns dos Distritais receberam incorporações dos livros mais antigos. Dois desses arquivos pertencem à universidade local (Coimbra e Braga). E se isto já é complicado, as cidades de Guimarães e Elvas contam com Arquivos Municipais onde se encontram os livros respectivos. Por outro lado, quando em 1980 os Mórmons quiseram microfilmar tudo, em vez de ter de falar com 4380 padres, bastou falar com o Ministério da Cultura, dois governos regionais, dois reitores e dois presidentes de câmara. Creio que isso facilitou muito o actual trabalho de os colocar online. O principal desafio é precisamente este: saber em que Arquivo se encontra o livro que procuramos, algo que o tombo.pt tenta resolver. O outro desafio é a paciência necessária para esperar pelos livros. Se alguns distritos estão perto de 100%, outros – como a Guarda – ainda estão abaixo dos 10% de livros online. Neste sentido, uma palavra de agradecimento à D. Manuela Alves que no início de Julho lançou uma bem-sucedida campanha de cartas para a DGLAB, sendo desde então raro que se passe um dia sem novos livros online. Como não resido em Portugal, não sei muito sobre o convívio em pessoa entre genealogistas, mas pertenço a vários grupos no Facebook onde trocamos informação.

MH Este é um movimento novo ou sempre houve tamanho interesse pela história familiar no seu país?
JV- Eu creio que sempre houve algum interesse, mas estava limitado aos descendentes das famílias nobres. Tal como o jornal Público referiu no artigo, com a disponibilização online dos livros paroquiais, cada um pode buscar a sua história familiar a partir de casa, sem ter de se deslocar a um dos arquivos distritais. Isso leva a que exista cada vez mais interesse por parte da população portuguesa em geral. Também houve sempre interesse por parte dos descendentes dos emigrantes Portugueses que foram para os Estados Unidos, sobretudo a partir dos Açores. Quem estiver pesquisando nos Açores ou na zona de Braga, tem a sorte de poder contar com o trabalho do CITCEM-GHP que disponibiliza online várias bases de dados com a transcrição dos registos paroquiais. É difícil avaliar o número de genealogistas em Portugal, mas no grupo do Facebook somos mais de 8 mil.

MH- Como o site tombo.pt pode ajudar os usuários brasileiros que têm família em Portugal?
JV- O tombo.pt facilita a todos, e aos brasileiros em particular, não precisarem de saber como estão organizados os Arquivos em Portugal. Para saber se existe e em que arquivo se encontra o livro paroquial pretendido, basta saber o distrito (ou diocese), município e paróquia de origem do seu antepassado, e num instante está a consultar o livro digital online (quando existe) ou pelo menos a ver a ficha bibliográfica desse livro no Arquivo respectivo. A partir daí, basta entrar em contacto com o Arquivo para solicitar mais informações, caso não exista a versão digital do livro. Como o site também dispõe de um mecanismo de procura interno, mesmo quando se sabe apenas o nome da localidade, o site pode ser capaz de ajudar a descobrir a paróquia respectiva.

MH- Como começou o seu interesse particular pela genealogia?
JV- O meu interesse pela genealogia começou com o nascimento dos meus dois filhos e a árvore genealógica que elaborei para os seus ‘livros do bebé’. A partir daí, como sou programador informático coloquei essa informação em software de genealogia e fui aos poucos construindo a informação que tenho hoje.

MH – Conte um pouco sobre a sua história familiar.
JV- Eu nasci no sul de Portugal em Faro (Algarve), de onde já eram os meus pais e meus avós. Os meus antepassados eram todos do Algarve ou Alentejo, à excepção de uma linha que começou em Tomar em 1750, foi até Lisboa e depois na mesma geração passou por Évora e terminou em Faro. Esse meu trisavô – Manuel Vicente Ventura – fundou em Évora um jornal que editou durante cinco anos entre 1897 e 1902. Por coincidência, nesse jornal ele relata o seu apoio à República, e à construção de um serviço de Registo Civil, para que os livros paroquiais da Igreja não fossem a única prova de cidadania. Acabou por ser preso por isso, tendo depois abandonado Évora e rumado a Faro.


MH – Você trabalha em parceria com outros genealogistas ou parentes? Qual é o tamanho da sua árvore genealógica e quem é o antepassado mais remoto já encontrado?

JV- Eu ajudo no Facebook de vez em quando, e num grupo de genealogistas luso-americanos sobre os Açores onde partilho a minha árvore e de onde já recebi informações de outros. No entanto, e à excepção dos antepassados do meu sogro que é investigado por ele, fui eu que introduzi todos os dados na minha base de dados. No total, a base de dados contém 2600 pessoas. Dessas, 254 são meus antepassados directos e 602 da minha esposa. Do meu lado, o antepassado mais remoto chama-se António Dias Negrão e foi pai do Capitão Bartolomeu Dias Negrão – este capitão morreu em 1631, pelo que deve ter nascido antes de 1580 e seu pai à volta de 1550. Do lado da minha mulher temos o registo de um Matusálem da Idade Média, de nome Manuel Coelho Fraga que terá nascido em 1596 e provavelmente conviveu com os primeiros povoadores da ilha das Flores, onde acabou por morrer em 1708 com 112 anos de idade, segundo o seu registro de óbito.

MH – Teve algum mistério que conseguiu desvendar através da genealogia?
JV- Acho que ninguém faz isto para desvendar mistérios. Se o faz, vai-se ‘danar’ porque a genealogia cria muito mais mistérios. Por exemplo, o que se passou com os livros paroquiais da Sé de Faro entre 1815 -1825 e 1830-1859? Esses dois períodos correspondem às datas de nascimento de dois antepassados meus, pelo que não consigo saber o nome dos pais e avós deles. Outro mistério é quem é o italiano Francesco Rossi que em 1835 teve uma filha em Montemor-o-Novo que é minha antepassada. Outro mistério é quem é o ‘flamengo’ Cristiano Bento Dias antepassado da minha esposa. Seria ele um dos presos que se amotinaram a bordo do navio dinamarquês ‘Havmanden’ que em 1680 aportou nas Flores depois de terem assassinado o governador Jørgen Iversen Dyppel?

MH – Que conselhos você daria para aqueles que estão começando agora a pesquisar as suas famílias?

JV – Os meus conselhos são os seguintes:
1. Use um software de genealogia – no seu computador pessoal (como o Family Tree Builder) ou coloque sua árvore online (como no MyHeritage). No inicio pode parecer que consegue fazer tudo no Office, mas num instante vai começar a ter problemas de gerir as relações entre as pessoas que só um bom programa de genealogia consegue gerir.
2. Documente tudo – para cada dado introduzido, tente obter cópia em ficheiro (arquivo). Pode parecer inútil, mas daqui a 20 anos você vai olhar para essa data e perder tempo a pensar em que registo estava essa informação.
3. Comece consigo – nada mais fácil que colocar seu nome, seus pais e continuar a partir daí – aliás é a única forma se usar os conselhos acima. Peça seu registo de nascimento, e o dos seus pais, onde estará o nome dos seus avôs e o local de nascimento deles, peça depois o registo de nascimento dos seus avôs onde estará o nome dos seus bisavôs e por aí em diante. Em Portugal, qualquer data entre agora e 1910 deve ser pedida aos Registos Civis (pode fazê-lo via internet e não é preciso ser o registo civil correcto – eles funcionam em rede para resolver seu pedido). De 1910 para trás, terá de usar os livros online ou os microfilmes ou solicitar cópia aos Arquivos. Use o tombo.pt para saber qual o arquivo correcto.
4. Envolva o resto da família – talvez acredite que os outros vão achar aborrecido, mas todos vão querer saber o que já descobriu, e alguns vão querer ajudar. Entre agora e o início dos registos em 1563 são 450 anos, ou seja 18 gerações, ou seja 524.287 antepassados. Acha mesmo que vai ser capaz de os encontrar todos sozinho?

Foto da avó paterna, com sua mãe e duas desconhecidas

Foto da avó paterna, com sua mãe e duas desconhecidas

MH – E para alguém que já anda pesquisando há algum tempo mas que parece ter chegado a um beco sem saída?
JV- As ‘paredes de tijolo’ como são normalmente chamadas são aquele ponto em que já não há nada a fazer: não existem registos antes disso, seja porque chegou a 1563 ou porque a Igreja ardeu. Também é possível que encontre um ‘exposto’ (na roda dos expostos) ou seja um  filho de pai(s) incógnito(s). Nalguns casos, as pessoas acabam por ser reconhecidas pelos pais. Nesses casos, no registo de casamento ou de nascimento dos filhos (ou netos) vem referido o nome do(s) pai(s) desconhecido. Existem alguns desses “livros de reconhecimentos” online. Em gerações mais recentes também é possível recorrer aos testes de DNA (como os oferecidos pela MyHeritage) para estabelecer provas de parentesco entre a pessoa com antepassados desconhecidos e um descendente reconhecido por esse antepassado. À medida que as bases de dados de DNA para genealogia crescem e as técnicas de comparação melhoram, será também possível usar métodos avançados para sair destes becos.
Mas no final o melhor conselho que posso dar é o mesmo que no filme com o Kevin Costner, Campo de Sonhos: ‘Se você construir, eles virão’. Neste caso, se colocar a sua árvore genealógica online (aqui no MyHeritage), um dia poderá descobrir que alguém tem a solução para esse mistério e vai receber essa informação quando menos espera.

Muito obrigada João pela entrevista! Deixamos aqui o link para o site tombo.pt para todos aqueles que queiram conhecer mais detalhes.

Comentários

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  • cecilia

    14 de fevereiro de 2014

    Gostei da entrevista e asseguro que o site é optimo pq o estou usando há algum tempo. Parabéns

  • José Manuel Velhuco Alves

    16 de fevereiro de 2014

    Foi um grande prazer saber da dedicação do Sr Ventura por este trabalho. Parabéns.

  • António Manuel P. Cabral

    17 de fevereiro de 2014

    Bom dia comecei agora e ainda não me apercebi bem das potencialidades e nem sequer experimentei ainda o tombo.pt
    mas desde já o meu obrigado pelas janelas que enso são possíveis de abrir. Obrigado

  • fernando tomas rodrigues

    17 de fevereiro de 2014

    nao sabia quem estava por detràs deste formidavel site que bem me tem servido para avançar na minha pesquisa genealogica por isso agradeço muito ao Sr ventura pelo seu empenho neste trabalho que permite a muitas pessoas como eu de poder benefeciar da sua experiencia neste capitulo do nosso passado obrigado por tudo e parabens!

  • Maria Isabel C. Igreja

    3 de março de 2014

    Obrigado, Sr. João Ventura, o tombo.pt é uma grande ferramenta que nos leva direto à informação. Pena que alguns Arquivos ainda estão lentos na divulgação. Eu passo sempre por lá. Parabéns!!!

  • Maria Matos

    17 de novembro de 2014

    Caro João Ventura
    Esta entrevista já foi feita à alguns meses, mtª coisa já consta mais no site, mas nós sabemos que mtª mais seria possível se não tivesse havido a “política da centralização informática” que não foi só aplicada aos ADs. Trabalhei na F. P., tive o mesmo problema com esta “política” e o resultado era um desastre, para o serviço e para os nervos do “calaceiro” maior que o serviço tivesse. O sistema operativo passa para Lisboa e ligam todo o serviço dos diversos locais regionais (até os telefones). Para um informático, não é necessário mais exlicações para o caos que isto provoca. Dias sem poder trabalhar, trabalho começado e de repente…puff. E a situação mantém-se! Não sou contra a existência de Base centralizado mas p.,f., assim não. Quando comecei a trabalhar com computadores (1982 na Seg. Social) o sistema informático central estava em Inglaterra, mas trabalhava-se e os dados eram enviados depois. Qualquer avaria era os informáticos cá que as tratavam. Em 12 anos só conheci um técnico inglês que teve de vir resolver um problema de ligação. E este porque houve um problema de falha de refrigeração o que provocou sobre aquecimento mas que os nossos técnicos se desenrascaram com a colocação de cobertores humidecidos. O inglês só cá veio para verificação da situação e em menos de 1 a 2 horas tudo estava a funcionar e a trabalhar. Agora só temos “broncas” que levam horas e dias a resolver. Enquanto isto o utilitário espera, os ADs e outros serviços são “insultados” and so one
    Por isso desde que começou o seu site e tendo em conta os problemas que lhe devem surgir sem que tenha culpa disso, admiro o seu trabalho, a sua paciência para manter o site e a facilidade com que podemos aceder.
    Obrigada, e nem sabe o quanto este obrigada significa para mim, e que continue a ser o jovem altruísta e creia admirado por milhares de genealogistas em Portugal, quer pelos que têem saúde para fazer pesquisa presencial quer para aqueles que não o podem fazer.
    Cordias cumprimentos
    Maria Matos

  • Malvina Pereira Dias

    29 de setembro de 2015

    Caro Sr. João Ventura, agradeço pela sua generosidade de poder partilhar este precioso trabalho. Eu gostoria muito de completar minha árvore genealógica, porém não tenho muito o que relatar sobre minha Avó paterna. Apenas que ela veio refugiada da Europa , não tenho nemhum dado além disso, pois meu pai não passava informações para os filhos, pois éramos menores, quando ele morreu descobrimos que tinha um diário onde ele anotava tudo sobre sua família. minha mãe guardou , mais quando abriu estava todo estragado pelo cupim. não dava para ler, tudo que havia se perdeu.
    MInha tia que hoje tem 90 anos , não sabe passar o que aconteceu. Pois minha avó morreu muito cedo , ela fala que ela era Portuguesa, mais já soube também que veio de Espanha. não conheço , mais sei que a Galícia Espanhola fica ao Sul de Portugal. Talvez seja este o motivo pelo qual minha também já falecida, falava que ela veio de Espanha.
    O nome dela era SEBASTIANA FLORENÇA DIAS, veio para o Brasil , e se casou com meu avô; FRANCISCO THOMAZ DIAS .Tiveram 5 filhos ;meu pai Benedito Thomaz Dias , José Thomaz Dias seu apelido era zuza , minha tia Petronilha, procura por meu tio Zuza. Ela sabe apenas que ele morava em Espírito Santo, Cochoeira de Itapemerim.
    Apenas isso. Se alguém tiver notícias ou conhecer a família dele favor dar notícias.
    Sou da família Pereira pelos avós maternos ; Manoel Pereira e Florisbela Inácia Pereira
    Desde já agradeço a gentileza.
    Grata!

  • José Oliveira

    4 de novembro de 2015

    Sr. João Ventura, se ainda reside na Alemanha, venho solicitar a sua colaboração no sentido de saber se é possível obter o registo de nascimento de um alemão natural de Claustal de Hanover, nascido em 1829, e que veio para Portugal onde constituiu família. Agradeço o seu contacto para lhe disponibilizar todos os dados de que disponho.
    Cumprimentos.

  • Pedro Pereira da Silva

    20 de fevereiro de 2018

    Procuro informações do meu bisavô:Bento José Pereira;filho de:

  • João Manuel Maia Alves

    25 de junho de 2018

    Muito obrigado pelo seu fantástico trabalho!!!

  • Maria Elizia Macedo

    19 de setembro de 2019

    eu só sei que meu avô veio de Portugal que é filho José Macedo dos Santos Zulmira Correia de Macedo é meu vó.tem o nome do pai José Macedo dos Santos tem mais dois irmãos Pedro Macedo dos Santos É Manuel Macedo dos Santos e minha bisa Zulmira Correia de Macedo é só

  • P

    Patricia

    17 de agosto de 2021

    Existem planos para dactilografar os registos paroquiais do tombo.pt, isto é, informatizar os dados? Obrigada e parabéns pelo tombo.pt!