Genealogia tradicional e testes de DNA – uma via de mão dupla

Genealogia tradicional e testes de DNA – uma via de mão dupla

Hoje temos mais um artigo do Daniel Fermino, que já colaborou com o nosso blog com este artigo. Desta vez, o Daniel irá explicar como o seu teste de DNA lhe ajudou a entender melhor a história da sua família e como a pesquisa genealógica ajuda a entender os testes de DNA também, numa via de mão dupla.

Boa leitura!

No mês de março de 2014, recebi meus primeiros resultados de testes de DNA para genealogia, feitos em uma época em que o MyHeritage ainda não oferecia testes genéticos. O teste que escolhi fazer era do tipo mtDNA – um teste que analisa a linha materna da família e é um pouco diferente do teste autossômico oferecido pelo MyHeritage (que analisa as duas linhas das quais descendemos: a materna e a paterna, para entender melhor como funcionam os testes de DNA, clique aqui). Um dos resultados que mais me chamou a atenção foi o fato de que meu mtDNA (DNA mitocondrial que recebi de minha mãe, que por sua vez recebeu da mãe dela, e assim sucessivamente sempre através de mãe para filha, até a “Eva” genética) era do haplogrupo L2. Haplogrupos, para quem ainda não ouviu falar deste termo, são grupos ligados a lugares específicos de um cromossomo e são usados para um mapeamento das populações genéticas (para ler mais sobre o assunto clique aqui).

Este haplogrupo decorre da segunda mutação do DNA da “Eva Genética”, sendo portanto um haplogrupo de origem muito antiga (cerca de 80.000 anos atrás). Na explicação fornecida pelos pesquisadores, a maior parte das pessoas que pertencem a este haplogrupo são de origem africana recente. Isso me causou alguma estranheza, pelo fato de eu possuir uma genealogia relativamente extensa do meu lado materno, e não existir registro de nenhuma escrava entre minhas antepassadas neste ramo.

Passados três anos, através de um primo distante que também pesquisa nossa genealogia familiar, fui por ele informado de que nossos antepassados que chegaram ao Brasil, justamente pelo lado da minha mãe, além de serem portugueses, eram na verdade Judeus Portugueses. Me lembrei então de que, na explicação que eu havia lido anos antes sobre o haplogrupo L2, citavam-se também indivíduos de linhagem não africana, mas que também pertenciam a este haplogrupo, sendo alguns grupos da Diáspora Judaica.  Decidi então estudar o assunto com mais calma. Encontrei inclusive atas de tribunais da inquisição em Portugal (Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Lisboa/PT), onde algumas pessoas de minha família foram condenadas à fogueira, por praticar o judaísmo.

Notei que de fato, meus antepassados judeus estavam exatamente na minha linhagem materna, justamente no meu caminho de transmissão do mtDNA. Comecei a ficar curioso sobre o assunto, e para entender um pouco melhor o contexto da chegada de meus antepassados judeus ao Brasil, li o excelente livro Os Judeus que Construíram o Brasil (Anita Novinsky).

Em meu caso tratam-se de judeus portugueses e espanhóis (sefaraditas) que chegaram no Brasil entre 1.550 e 1.700, vindos da Península Ibérica, fugindo da perseguição da Inquisição Católica. Eles eram chamados de Cristão Novos, pois muitos adotaram o cristianismo (pelo menos publicamente) para fugir da inquisição católica. Neste meu ramo familiar, é interessante notar que, durante praticamente as três primeiras gerações no Brasil, os casamentos praticamente só ocorreram entre cristãos novos (provavelmente por ainda praticarem o judaísmo em segredo).

Imigração dos judeus sefarditas – fonte: wikipedia.pt

Imigração dos judeus sefarditas – fonte: wikipedia.pt

Entretanto, com o passar do tempo, este meu ramo familiar de fato se tornou cristão, e 300 anos depois, nem mesmo imaginávamos que descendíamos de judeus português e espanhóis. Um de meus antepassados neste ramo judaico, chamado João Francisco Andrade, mudou seu sobrenome ao chegar ao Brasil, para Bastos.  O motivo da emigração para o Brasil e mudança do sobrenome seria de que ele “havia fugido à perseguição que lhe era movida em Portugal” (Livro: Dois Séculos dos Andrade, pg. 42, Ormi Andrade Silva e José Gomide Borges). Deste mesmo judeu português, João Francisco Andrade, também surgiria mais tarde o poeta Carlos Drummond de Andrade.

Descobrir mais esta origem em minhas raízes tem contribuído para eu entender melhor quem eu sou e as heranças ancestrais que possuo. Neste caso em específico, a genealogia, história familiar e DNA trabalharam juntos para revelar esta herança que possuo.

Comentários

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  • Juliana

    9 de agosto de 2018

    Daniel, adorei seu artigo! Tenho 12% de Norte da Africa pelo MyHeritage e também descobri que meus ancestrais eram cristãos novos originários dos Açores.