A casa da água

A casa da água

Páginas

Mais uma vez voltamos a África, agora para contar uma história que a muito foi guardada na memória de poucos brasileiros e que o diplomata Antonio Olimpo,  em 1969, escreveu o romance A Casa da Água trazendo até nós este magnifico relato da vida de africanos cativos e que venceram as diversidades da vida.

TERUGKEER quer dizer retorno e para nós é quase impronunciável pois tem um estalar da língua no meio que é muito díficil de produzir mas, como nos últimos dias todos nós, brasileiros e portugueses temos visto muito da África nas propagandas, nas reportagens, convêm deixar aqui o registro da história que marcou este povo e que nunca deve ser contada no modo coletivo, mas na forma individual, pois são histórias marcantes vividas por algumas pessoas em um desafio aos limites da compreensão e da superação e também servem como modelo para qualquer um.

Alguns usuários nos perguntam porque é que tanto nos prendemos a histórias de pessoas e porque é que reportamos aqui estas histórias. Em primeiro lugar por que não existe maneira de ser um genealogista sem gostar de histórias de pessoas, pois são elas o motivo de nossa vocação e em segundo lugar é para que ao ler uma destas histórias, você se sinta motivado a contar a sua. Já temos até um espaço reservado para a sua história.

Vamos acompanhar também trechos de uma reportagem da revista Veja de 07/07/1999 por Paulo Moreira Leite que é bem esclarecedora sobre esta epopéia  de escravos que retornaram a África para se tornarem ricos, poderosos e influentes depois de ter deixado para trás os tempos e a memória da escravidão.

No romance, Catarina nasceu em Lagos na Nigéria e foi vendida pelo tio a uma senhor que morava em Piau, nas Minas Gerais e sempre acalentou o sonho de retornar a sua terra natal. Já idosa, consegue realizar seu sonho e muda-se com sua filha Epifânia e três netos , Mariana, Emília e Antônio, o romance se desenvolve em torno de três mulheres que retornando a Lagos, constituem família, prosperam e seus descendentes até participam da independência do país. Rico em detalhes da vida cotidiana é também um trabalho histórico. A qualidade literária mereceu o título de Obra Prima e os mais perfeccionistas poderão montar até uma árvore genealógica com os personagens já que esta história é baseada em fatos reais.

A História destes africanos e de sua ascensão pode ser mostrada com um trecho da reportagem de Paulo Moreira Leite (Revista Veja de 07/07/1999):

“No decorrer do século passado, milhares de negros brasileiros atravessaram o Atlântico para residir no Continente Negro. Em Lagos eles formaram um bairro, o Brazilian Quarter. Em Porto Novo, no Benin, instituíram o Carnaval e o costume de comer bacalhau na Semana Santa, além de comemorar a festa do Nosso Senhor do Bonfim. Ainda foram para o Gabão e Gana. Muitos brasileiros enriqueceram a ponto de construir as grandes fortunas de seu tempo. O comerciante Domingos José Martins tornou-se um dos homens mais ricos da Nigéria no século XIX. Vivia em uma casa imensa, com quadros nas paredes, pátio com árvores de laranjeira e sala de visitas com caixas de música, a pré-vitrola da época.

No Togo, que proclamou a independência em 1960, o primeiro presidente da República, Sylvanus Olympio, era descendente em linha direta desses imigrantes. O Benin teve um ministro das Relações Exteriores, chamado Luís Inacio Pinto, que era neto de baianos. Um dos figurões atuais desse país paupérrimo se chama Karim da Silva. Comerciante, Karim é um senhor de bengala e chapeuzinho, que cultiva modos elegantes e automóveis de luxo, com uma frota de Rolls-Royce e Mercedes em sua garagem. Outro nome ilustre vem de uma árvore genealógica fundada por um mulato que se dedicava ao tráfico negreiro, Francisco de Souza, o “Xaxá”…

…Uma primeira leva de retornados tomou o rumo da África depois de 1835, quando a Revolta dos Malês, em Salvador, produziu o temor de que no Brasil pudessse ocorrer uma rebelião como a dos negros no Haiti. Setecentos rebeldes foram deportados. Depois, outros negros partiram por conta própria. Nenhum proprietário mandava escravo embora, pois era um investimento caro. Mas o cativo que conseguia a alforria, seja pela compra da liberdade, seja como recompensa após décadas de bons e duros serviços, era pressionado a deixar o país. No mundo do século XIX, em que as idéias racistas ocupavam lugar central na organização das sociedades, nenhum governo considerava conveniente manter os negros dentro de suas fronteiras com o fim do cativeiro. Os Estados Unidos estimularam o retorno dos escravos a um país improvisado, a Libéria. No Brasil de Pedro II foram elaboradas leis que forçavam a saída dos negros. Os cativos podiam juntar dinheiro – mas eram proibidos de comprar bens de raiz, mesmo que fosse uma terra para trabalhar. Todo alforriado era convocado a se registrar na polícia, vivia sob vigilância e era obrigado a pagar um imposto exorbitante, não cobrado dos brancos. Convencido de que o retorno seria uma solução razoável num país que importava imigrantes europeus em grande escala, depois da proclamação da República o governo financiou a volta de milhares de negros.

Boa parte dos retornados não era a ralé da senzala, mas uma espécie de elite negra, que havia aprendido um ofício no Brasil. Artesãos que sabiam ganhar a vida, mesmo se obrigados a entregar seus rendimentos a um senhor.

Chegaram à África como os primeiros sapateiros, ourives, mestres-de-obras e carpinteiros.

Boas costureiras, as brasileiras levaram a moda européia para o continente.

As cozinheiras conquistaram freguesia como banqueteiras. Mas o principal papel que os ex-escravos desempenharam foi no grande comércio. Num artigo dedicado ao assunto, Gilberto Freyre diz que eles foram os pioneiros do capitalismo na África. Sua presença, diz o professor, “marca significativo começo de burguesia capitalista africana em terras até então virgens de burguesismo e de capitalismo indígena”…

…De bolso cheio, os antigos escravos investiam até em atividades culturais. Em Lagos formou-se uma companhia teatral chamada Brazilian Dramatic Company. Quando a notícia do 13 de maio de 1888 chegou à África, os brasileiros organizaram festejos que duraram uma semana. Guardou-se uma foto da comissão responsável pelo evento. São elegantes homens de fraque, negro como sua pele. Os brasileiros levavam uma vantagem sobre os nativos. Eram os únicos cidadãos ocidentalizados num continente que começava a ser conquistado por Inglaterra, Bélgica, Alemanha e França. Eles acabaram recrutados, em boa quantidade, para os melhores empregos na administração colonial e para grandes casas comerciais européias. Outra diferença era a religião. Uma parcela dos que retornaram era formada por muçulmanos, mas a maioria chegou convertida ao catolicismo, e isso marcava. A identificação com essa religião era tão grande que, na língua ioruba, um mesmo termo, agudá, serve para designar brasileiro e católico.”…

…Agora que o Brasil é uma lembrança dos avós que já morreram, o sinal permanente da presença brasileira na África se encontra na arquitetura. O sobrado criado pelo colonizador português na América saiu do Brasil e foi de navio para o Continente Negro, onde ficou de pé graças ao talento e à competência de construtores, mestres-de-obras e pedreiros brasileiros.”

Sem dúvida sua curiosidade foi aguçada e creio que você queira agora saber mais sobre esta história, então leia o livro. Estaremos colocando periodicamente aqui em nosso blog alguns trabalhos de jornalistas e escritores que juntos contribuem com a difícil tarefa dos genealogistas em desvendar o passado e que muitas árvore em Myheritage já encontram vínculos ao continente africano por estas histórias de vida.

Comentários

O endereço de e-mail é mantido privado e não será mostrado

  • Adroaldo Bauer Corrêa

    29 de março de 2012

    Pesquisa muito interessante. Apresentação bastante significativa da obra de Antonio Olinto. Palmas!