Oi Joana, obrigada pelo comentário e pelo elogio! Em relação ao uso dos algarismos árabes ou romanos: nós seguimos o manual de estilo do Estadão, então e em acordo com o manual, preferimos adotar os algarismos árabes para séculos, reservando os romanos para nomes de Papas, nomes oficiais de clubes e associações, ou para a transcrição de registros históricos. Se quiser saber mais sobre o manual, há inclusive um download gratuito na página do próprio Estadão.
Você pediria para o seu barbeiro ou cabeleireiro para arrancar um dente doendo? Nós também não, mas era exatamente isto que acontecia na época medieval. O simpático barbeiro-cirurgião do seu povoado era o contato certo para buscar tratamento médico, para a população da época. Era praticamente a ala de Emergência, da Idade Média.
No Brasil e em Portugal não era diferente. Inclusive, algumas palavras como “barbeiragem”, ou “barbeiro” – como xingamento para alguém que faz alguma coisa errada especialmente no trânsito – tem a sua origem justamente na falta de habilidade de alguns barbeiros ao realizarem tratamentos médicos ou dentários.
Então, talvez, não seja de todo ruim que esta profissão de barbeiro-cirurgião tenha acabado, não?
Mas no século 13, ou até mesmo antes, todo povoado tinha um profissional destes, que era treinado como aprendiz por aproximadamente 7 anos. O barbeiro era responsável – para além de cortes de cabelo, barba e bigode – por fazer curativos, dar um jeito em ossos quebrados, preparar remédios caseiros a base de plantas, sangrias e até mesmo pequenas cirurgias. Na Alemanha, no século 16, os barbeiros-cirurgiões começaram a se especializar em arrancar dentes e a fazer cirurgias de catarata. As operações eram um verdadeiro espetáculo público, frequentemente realizados em quermesses e feiras.
Para além destes procedimentos todos, os locais onde os barbeiros trabalhavam eram centros de comunicação e informação e pode ter saído daí o hábito que temos ainda hoje de falarmos com os cabeleireiros sobre praticamente tudo! Há evidência científica de um barbeiro-cirurgião de Bologna pedindo uma licença para poder oferecer leituras públicas das notícias de Roma e Veneza.
Nos séculos 14 e 15, a medicina e a cirurgia ainda estavam dando seus primeiros passos. A impressão acabava de ser inventada (1452) e as viagens de Colombo e Cabral para as Américas eram ainda muito recentes (1492 e 1500 respectivamente). Embora a escola médica de Salerno (Itália) já tivesse sido fundada no século XI, seu funcionamento era bastante precário. Na época, a medicina e as cirurgias eram praticadas pelas mesmas pessoas e as duas especialidades só foram separadas muito tempo depois.
Originalmente, cirurgias eram praticadas exclusivamente por padres (que eram capazes de ler os poucos livros que tratavam do assunto). Isto acabou em 1215 quando o Papa Honório III decidiu que elas deveriam ser feitas por leigos, mas que os diagnósticos deveriam ser feitos nos conventos, por padres. Com isso, fazendeiros e barbeiros acabaram se ocupando da tarefa.
Até 1638, em muitas áreas, não era necessária nenhuma qualificação para o exercício desta função. Em outros locais, os barbeiros-cirurgiões tinham suas próprias associações, onde o ofício era aprendido e exames eram feitos para se conceder licenças de operação.
Na Itália, a profissão não era comum, já que médicos competentes eram formados nas universidades de Salerno, Bologna e Pádua.
Talvez vocês também se lembrem que Don Quixote e seu fiel escudeiro Sancho Panza encontram um barbeiro-cirurgião que dizia ser muito habilidoso com a sua lâmina de barbear, mas que também era ótimo em curativos, caso a lâmina fizesse algum estrago…
Um dos barbeiros-cirurgiões mais famosos foi Ambroise Paré, que depois de 20 anos de experiência no ofício, acabou se tornando um dos cirurgiões mais famosos da Europa, sendo inclusive o médico responsável pelos reis Henrique II, Francisco II, Carlos IX e Henrique III.
Nascido em Laval, França, em 1509, Ambroise aprendeu latim com um padre e as práticas de barbeiro com um barbeiro-cirurgião de sua cidade. Após, ele foi para Paris para estudar a prática da cirurgia e trabalhou para um professor na Faculdade da França e depois como residente no Hotel-Dieu – o maior hospital do mundo, na época. Em 1536, com 27 anos ele foi designado como cirurgião para um coronel, na Itália. Ele regressou a Paris e teve uma carreira próspera e inovadora. Ele publicou vários livros, trabalhou com próteses e é considerado o pai da cirurgia francesa, patologia moderna, técnicas cirurgícas e medicina nos campos de batalha. Ele tatmbém inventou vários instrumentos cirúrgicos, antes de falecer aos 91 anos de idade, no dia 20 de dezembro de 1590.
Na Europa e nos Estados Unidos os postes de barbearia nos seus tons tradicionais – vermelho e branco – ainda podem ser vistas do lado de fora de vários estabelecimentos. Alguns estudiosos do assunto, afirmam que o símbolo remete à Grécia Antiga e que os viajantes sabiam que ao se deparar com este símbolo eles poderiam estar certos que iriam encontrar ajuda, para várias aflições. Outros afirmam que o vermelho simboliza o sangue, de vários procedimentos e o branco, os curativos. Nos Estados Unidos, incluiu-se também o azul, para que todas as cores da bandeira americana fossem representadas.
Joana M M de Menezes Pinto Machado
8 de fevereiro de 2017
Gostei do artigo que li sobre barbeiros cirurgiões, mas o texto deveria ter os séculos escritos em numeração romana, pois é errado escrevê-los em algarismos árabes.
Aproveito para acrescentar que para exercer a profissão teriam de fazer exames e obter licença do rei (obviamente que devia haver muitos clandestinos).
Cumprimentos
Joana de Menezes Pinto Machado (Portugal)